Compartilho com vocês uma produção colaborativa, fruto de nossas experiências com alunos ciganos e com deficiência na Educação Básica, agora com o olhar mais acadêmico/científico no Mestrado Profissional em Educação e Diversidade -MPED, da Universidade do Estado da Bahia - UNEB/DCH IV -Jacobina-BA.
(IM)POSSIBILIDADES DE CONVIVER COM A DIFERENÇA NA SALA
DE AULA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: RELATOS DE EXPERIÊNCIAS COM ALUNOS CIGANOS E ALUNOS
COM DEFICIÊNCIA
Laudicéia da Cruz Santos
Rede Pública Estadual de Ensino de Jacobina/BA,
Mestranda em Educação e Diversidade – Universidade do Estado da Bahia - laudibotafogo@hotmail.com
Joice Naiane de Sousa Costa Santos
Rede Pública Estadual de Ensino de Campo Formoso/BA,
Mestranda em Educação e Diversidade – Universidade do Estado da Bahia - joicensc@hotmail.com
Sabrina de Souza Lima
Rede Pública Estadual de Ensino de Jacobina/BA,
Mestranda em Educação e Diversidade – Universidade do Estado da Bahia - sabrinalima4@yahoo.com.br
Vívia Santos
Andrade;
Rede Municipal de Ensino de Cansanção – BA, Mestranda
em Educação e Diversidade – Universidade do Estado da Bahia – andradepedagogia@yahoo.com.br
Jerônimo Jorge
Cavalcante Silva,
Prof. Doutor - Universidade
do Estado da Bahia, jorgeazul43@gmail.com
(Universidade
do Estado da Bahia – UNEB/DCH IV, mped.uneb@uneb.br)
Resumo:
O presente artigo pretende fomentar o debate acerca
das (im)possibilidades de lidar com a diversidade na sala de aula. Parte-se da
reflexão de experiências vividas com alunos ciganos e alunos com deficiência, em
contextos distintos, mas que provocaram inquietações em docentes que atuam na Educação
Básica. Trata-se de uma pesquisa qualitativa em educação, na qual se utilizou
de observações participantes e anotações em diário de campo para construção dos
dados. A partir das experiências vivencias nos espaços educativos, nos
impulsiona a refletir acerca do processo concernente à formação docente, nos
impulsionando a pensar na formação pelo engajamento na pesquisa em educação,
fortalecendo não só a nós professoras, mas aos nossos pares. Compreendemos que
experienciamos uma realidade complexa e desafiadora, que exige dos docentes
compromisso político, social e pedagógico e isso perpassa, principalmente,
pelos processos formativos no exercício da docência.
Palavras-chave: Formação Docente, Diversidade,
Ciganos Calon, Alunos com Deficiência.
INTRODUÇÃO
A
sociedade contemporânea é caracterizada pela complexidade, pela rapidez de
informações, pela efemeridade, mas também pela diversidade cultural, social e
política. É possível observarmos, nos mais variados espaços, sujeitos com
diferentes histórias, atitudes, crenças, valores e inevitavelmente toda essa
heterogeneidade desemboca nos espaços escolares. Sendo assim, reflexões sobre
essas configurações são pertinentes para se compreender as relações entre os
indivíduos nos diversos ambientes onde convivem.
A
sala de aula da Educação Básica na escola pública é um desses espaços de
convívio dessa diversidade, marcado por desafios constantes aos processos de
ensino e aprendizagem. Enquanto educadoras, nos encontramos diante de uma
delicada escolha: ignorar a diversidade manifesta de várias maneiras nos
contextos escolares, optando por práticas homogeneizadoras; tratar da
diversidade de modo pontual e meramente celebratório, ou mesmo buscar estratégias
para valorização da diferença e, como consequência, empoderar os sujeitos.
Partindo dessa perspectiva, num exercício de pensar
sobre as relações intrínsecas entre as configurações sociais e a instituição
escolar, nos deparamos com alguns questionamentos: a escola, composta por
indivíduos oriundos da sociedade que transborda diversidade humana, como lida
com esses múltiplos olhares e modos de ser dos sujeitos que integram esses
espaços? Como são estabelecidas as relações de convivência entre os sujeitos
nos espaços escolares?
Na
tentativa de provocar a reflexão sobre esses questionamentos, ou mesmo formular
outros, considerando as experiências construídas como professoras regentes na
Educação Básica da Rede Pública (Municipal e Estadual), trazemos nestes
escritos dois relatos de experiências que tomam os alunos ciganos e os alunos
com deficiência como ponto de partida e instigação para o desenvolvimento de
nossas pesquisas no Programa de Pós Graduação em Educação e Diversidade na
Universidade do Estado da Bahia – Uneb, Campus IV/Jacobina - BA.
Percebemos
que o processo de democratização da Educação Básica pública tem possibilitado o
acesso de muitas minorias a este espaço educativo formal, ao tempo em que nos
vemos imersas no desafio de garantir a permanência destes alunos/as, zelando
pela qualidade do processo ensino/aprendizagem de todos/as.
METODOLOGIA
Os processos de ação-reflexão, que valorizam
as subjetividades e os significados que os sujeitos atribuem aos seus
contextos, permitem que situemos este estudo no campo das pesquisas
qualitativas, que segundo Bogdan e Biklen (1982) citados por Lüdke e André
(2014) apresentam algumas particularidades básicas, dentre as quais podemos
destacar: são caracterizadas pelos significados que os colaboradores da
pesquisa dão às coisas e à sua vida, pelo processo indutivo como mecanismo de
análise dos dados e pela não preocupação com a comprovação de hipóteses
previamente definidas.
Através de observações participantes, enquanto professoras que
pesquisam sua própria prática, e em momentos de pesquisa/formação no exercício
da docência, fomos provocadas a refletir sobre nossas ações pedagógicas na
educação escolar, bem como sobre a necessidade de fazer da escola de Educação Básica
um lugar de valorização das diferenças, mobilizando outros sujeitos no processo
educativo. Partindo dessa perspectiva, compreendemos que a
observação participante é uma técnica que possibilita adentrar no mundo social
dos participantes, fazendo-se anotações detalhadas em relação aos eventos
observados (CALLEFFE; MOREIRA, 2008).
Para
registro dessas informações, utilizamos o diário de campo, também chamado de
diário de bordo. Este instrumento apresenta-se como uma possibilidade de
registro de todas as informações pertinentes ao estudo (em andamento). Todo
pesquisador precisa utilizá-lo como instrumento de construção de dados, que,
posteriormente serão confrontados com a teoria, para que outras teorias sejam
criadas.
Para
Ghedin e Franco (2011),
A
pesquisa requer o registro rigoroso e metódico dos dados, atividade que precisa
ser constantemente realizada. Há autores, entre os quais Lavoie, Marquis e
Laurin (1996) e mesmo Morin (1986), que chegam a falar da necessidade de um
“diário de bordo” como instrumento necessário para consignar os dados
recolhidos durante todo o processo de pesquisa. Importa que seja um registro
diário e cotidiano, de sorte que objetive o vivido e o compreendido. ( p. 244)
As
anotações e reflexões foram registradas nos momentos de Atividades Complementares
(AC) dos docentes, de organização e desenvolvimento de oficinas, palestras,
mesas redondas, aulas de campo, apresentação em eventos científicos e em outros
espaços/tempo pedagógicos.
Os registros elaborados através dos dispositivos de
pesquisa – observação participante e diário de campo – foram explorados,
sistematizados e dessas fontes emergirem aspectos relacionados às
possibilidades de um trabalho pedagógico numa perspectiva inclusiva para os
alunos ciganos e alunos com deficiência.
A partir da análise desses dados preliminares,
percebemos a necessidade de buscar outros espaços formativos que articulassem a
Educação Básica e a Universidade. Foram estas demandas, oriundas da observação
da nossa própria prática nos espaços educativos, que nos impulsionaram a
enxergar a Universidade como importante espaço de discussão e produção de
conhecimentos, numa relação dialógica e colaborativa.
Como estamos apresentando uma discussão/reflexão
acerca de dois relatos de experiências vividos na docência da Educação Básica,
apontaremos ao longo da nossa escrita o resultado desse movimento que nos possibilitou
a construção um esboço dessas experiências.
A itinerância chega até a nós: a experiência vivida
com discentes ciganos no Centro
Estadual de Educação Profissional em Gestão e Negócios do Centro Baiano.
A experiência vivenciada por nós, professoras da
Educação Básica aconteceu no Município de Jacobina-BA, localizada no Território
de Identidade do Piemonte da Chapada Diamantina, no período de (2012-2015).
Essa experiência nos impeliu a caminhar por inúmeros outros espaços
ultrapassando os limites dos muros da escola na qual estávamos inseridas. Para
entender um pouco dessa história, discorremos rapidamente a trajetória história
dos povos ciganos.
Fundamentalmente, ao se tratar
dos povos ciganos temos que ter clareza que, como preconiza Sacristán (1995,
p.95) “[...] os ciganos não estão apenas marginalizados, mas, além disso,
recebem sinais evidentes de rejeição e têm sido, até mesmo, perseguidos”. Assim
sendo, como a escola tem lidado com a inserção de alunos/as ciganos/as? Há (im)
possibilidades de trabalhar com crianças e jovens ciganos nos espaços
escolares? Diante do nosso exercício na docência em Educação Básica, afirmamos
que é possível fazer diferente, para além da celebração ou exotismo cultural,
pudemos realizar um trabalho mais efetivo que possibilitou um maior contato
entre crianças e jovens ciganos e não-ciganos e que contribuiu para a redução
dos falsos estereótipos que perduram nos espaços de educação formal e na
sociedade de Jacobina-Ba e região.
Cabe aqui explicitar que a origem dos povos ciganos
é marcada por incertezas, pois sendo ágrafos, não possuem registros escritos.
Dessa maneira, as histórias desses povos se mantêm pela oralidade, o que
dificulta assegurar suas trajetórias históricas. No entanto, é consenso entre
os estudiosos que os ciganos surgiram no norte da Índia, século III a.C. A
partir do século X começam ciclos migratórios e, na Europa Ocidental, eles
surgem no
século XV. Os povos ciganos compõem três grandes grupos: Os Rom ou Roma,
provenientes dos países balcânicos, que migraram para o Brasil em meados do
século XIX; os Sinti da Alemanha, Itália e França; os Calon, oriundos da
Península Ibérica, deportados para o Brasil pela Coroa Portuguesa no século XVI
(MOONEN, 1999). Ao chegarem ao Brasil já traziam consigo a marca da
discriminação, do preconceito, que persistem em nossa sociedade até os dias
atuais.
Destacamos que nossa experiência foi com os alunos
ciganos da etnia Calon, predominante no Território do Piemonte da Chapada
Diamantina[1],
este contato aconteceu no Colégio Estadual Professora Felicidade de Jesus
Magalhães, atualmente Centro Estadual de Educação Profissional
em Gestão e Negócios do Centro Baiano Professora Felicidade de Jesus Magalhães
– CEEP Felicidade, a partir de 2010. Coincidentemente na mesma época foi
ofertado o curso Direitos Humanos e Diversidade, uma parceria do Instituto
Anísio Teixeira –IAT e Secretaria de Educação da Bahia –SEC/Ba, o que nos
possibilitou projetar ações para intervir na problemática da presença cigana em
nossa unidade escolar. Tal intervenção foi concretizada com o projeto “Ciganos:
sujeitos de direitos”, que com oficinas e mesas-redondas contemplou alunos
ciganos, não ciganos, professores interessados e representantes da comunidade
cigana, nessa primeira etapa, no entanto, não havia o envolvimento dos alunos
como pesquisadores.
Somente
a partir de 2012, com a possibilidade de trabalhar com a pesquisa científica na
Educação Básica, redimensionamos e ampliamos o projeto agregando alunos
não-ciganos e ciganos, como pesquisadores, com intuito de desenvolver o
protagonismo dos estudantes como construtores de seu conhecimento e, em
especial, a importante contribuição que teríamos para redução dos estereótipos
em outra unidade de ensino público que também recebia alunos ciganos. Dessa
forma, ministramos oficinas para os estudantes do Ensino Fundamental II.
Tais
ações acima elencadas se desdobraram no projeto intitulado “Caravana Calon: a
inserção da cultura cigana nos espaços escolares de Jacobina-Ba e região”,
desenvolvido com nossos alunos da Educação Profissional Integrada ao Ensino
Médio – EPI, voltado para outras escolas públicas e privadas. Nesta segunda
etapa os estudantes fizeram estudos bibliográficos e de campo com a comunidade
cigana, como suporte para melhor definição das ações para sete escolas de
Jacobina e região. Nos referidos espaços, através de oficinas para a comunidade
interessada de cada unidade de ensino, abordávamos a historicidade, trajetórias
das diferentes etnias, processos de perseguição, crenças, valores e tradições
na perspectiva de colaborar para uma visão mais positiva e menos estereotipada
sobre os povos ciganos.
A
relevância de tais ações possibilitou que orientadoras e alunos pesquisadores
participassem de inúmeros eventos científicos na Bahia, Brasil e no exterior
para apresentar os resultados dos projetos e, essencialmente, para dar
visibilidade aos povos ciganos – em específico dos ciganos da Etnia Calon de
Jacobina-Bahia. Dessa forma, os alunos tiveram a oportunidade de apresentar
trabalhos em Jacobina-Ba (Feira de Ciências e Tecnologias do CEEP Felicidade
–FECCEEP), em Salvador (Feira de Ciências da Bahia -FECIBA), Ceará (EXPO Milset Brasil),
São Paulo (Feira Brasileira de Ciências e Engenharia - FEBRACE), Novo Hamburgo
(Mostra Brasileira/Internacional de Ciência e Tecnologia -MOSTRATEC), em
Encarnácion -Paraguai (VIII Feira de Ciências e Tecnologia, II Feira Nacional e
I Feira Internacional – FECITEC GIRASOLES). Houve outras aprovações, porém por
limitação financeira não conseguimos nos fazer presentes.
Sobretudo, o mais importante em todo esse processo
foi perceber a possibilidade de trabalhar com as especificidades da cultura
cigana nos espaços escolares, obviamente sem a rigorosidade científica tão
exigida pelas universidades, mas dentro dos limites da Educação Básica da rede
pública, este trabalho teve o mérito de abrir novos horizontes para os alunos
pesquisadores, para fortalecimento cultural dos alunos ciganos, para o diálogo
desses com os não-ciganos e para maior visibilidade e mais respeito pelos
ciganos da Etnia Calon.
Sendo assim, entendemos que
ciganos, negros, mulheres, indígenas, povos circenses, pessoas com deficiência
e tantas outras minorias têm provocado a instituição escolar a se mobilizar em
busca de outras pedagogias, pois é quase impossível pensar uma educação para
todos sem levar em consideração tantas peculiaridades que marcam os povos de
nosso país.
Na terra
das esmeraldas, eis que brilha a trajetória de uma professora
Diante dos desafios e
conquistas descritas anteriormente, relatamos aqui as experiências com alunos
com deficiência que têm nos conduzido a buscar outros saberes, outros parceiros
para colaborar com uma escola que se pauta numa perspectiva inclusiva.
Assim como os alunos ciganos que, como relatado
anteriormente, são marginalizados do processo educativo, muitos alunos com
deficiência também o são. Imagine-se numa sala com 40 alunos, onde 38 são
ouvintes e dois deles são surdos, o/a professor/a não conhece a Língua
Brasileira de Sinais – LIBRAS, não tem a ajuda de um intérprete, a escola não
possui Atendimento Educacional Especializado - AEE, contudo deve ser assegurado
a todos/as os/as alunos/as, sem distinções, uma educação de/com qualidade.
Realidade desafiadora e comum em muitas escolas, algo que nos incomoda e
provoca para necessidade de alcançar estes sujeitos, considerando suas
limitações e suas potencialidades.
Partindo dessa realidade,
pensamos numa perspectiva de formação no exercício da docência como uma
alternativa para melhor lidarmos com estes estudantes, uma possibilidade para
além da política pública de formação docente. Numa escola pública estadual em
Campo Formoso-Bahia, cidade localizada no Centro Norte do Estado, no Território
Norte do Itapicuru, partindo-se de uma iniciativa individual de um professor do
quadro efetivo da Instituição, mas que mobilizou outros docentes da instituição
e da Rede Pública Municipal para necessidade de um processo formativo que
possibilitasse novos olhares para esses alunos. Desse modo, organizamos, no
formato de uma cooperativa, um curso de especialização em Educação Especial e
Inclusiva, com carga horária de 400h, com aulas presenciais aos finais de
semana.
As discussões e todo trabalho intelectual
produzido durante dois anos contribuíram significativamente para o nosso
trabalho enquanto docente na Educação Básica. As leituras realizadas, os
saberes e experiências compartilhadas fizeram-nos perceber que inclusão se
aprende fazendo. Cada tipo de deficiência exige do professor fazeres
diferenciados, estratégias específicas, adaptação de recursos materiais
distintos, enfim, os frutos dessa formação são na verdade as perspectivas de se
lançar um olhar atento para estes estudantes, pensá-los como sujeitos de
direitos, que aprendem e ensinam, que devem ter garantida uma educação pública
com qualidade.
Os
estudos finais desse curso foram organizados em artigos científicos com
diferentes temáticas, dentre as quais podemos citar: currículo e inclusão escolar,
concepções dos alunos sobre o processo de inclusão escolar, alunos com
deficiência na Educação de Jovens e Adultos, questões étnico raciais no
currículo e na prática pedagógica, enfim tivemos um total de 12 (doze)
produções concluídas que dispararam as discussões acerca da Educação Especial e
Inclusiva em Campo Formoso - BA. Atualmente, este curso está em sua segunda
turma, com um total de mais 8 (oito) artigos em construção, contribuindo assim
para alavancar os debates e efetivação do processo que chamamos de inclusão
escolar.
Não podemos deixar de destacar que o mesmo tem
alcançado profissionais de 4 (quatro) Territórios baianos distintos, a saber:
Piemonte Norte do Itapicuru (Campo Formoso, Senhor do Bonfim e Pindobaçu),
Território do Sertão do São Francisco (Juazeiro), Território do Sisal (Monte
Santo), Território do Nordeste II (Euclides da Cunha). Atualmente o curso está vinculado
à uma Faculdade na cidade de Campo Formoso, mantendo sua proposta de aulas cem
por cento presenciais.
Os
entrelaces das experiências
Apresentamos realidades e públicos distintos, mas que
convergem em um propósito maior de garantir no meio acadêmico espaços de
discussão sobre minorias historicamente excluídas. Para dar continuidade à
caminhada rumo à inclusão escolar do aluno com deficiência e dos alunos
ciganos, ingressamos no Mestrado Profissional em Educação e Diversidade da
Universidade do Estado da Bahia (CAMPUS IV). A proposta de um Mestrado
Profissional em Educação e Diversidade apresenta-se como uma oportunidade ímpar
de se discutir nos meios acadêmicos a educação de minorias, que por outro olhar
representam a maioria em nosso país. As variadas temáticas discutidas pelos
colegas de turma, nos motivam a inquietarmo-nos sempre com o processo de
aprendizagem de alunos/as inseridos/as na Educação Básica, são estas
inquietações que nos movem pessoal e profissionalmente a trilhar outros
percursos. É pertinente ressaltar que,
Os
referidos programas objetivam consolidar a convergência de suas trajetórias
acadêmicas e profissionais em torno do campo da formação de professores da
Educação Básica [...] representa uma tentativa de subsidiar práticas escolares
pautadas na valorização das diferenças, do múltiplo, do inovador e do anverso.
A área prioriza o estudo da diversidade, visando fortalecer as bases teóricas
dos educadores, aprimorar a atuação formativa e propiciar a inovação pedagógica
e a formação continuada. (SILVA; SÁ, 2016, p.65)
As mencionadas experiências
nos permitiram lançar, agora, um olhar mais investigativo pautado numa
rigorosidade científica para a pesquisa em Educação. Temos a possibilidade de
realizar nossas pesquisas voltadas para inclusão da cultura cigana e dos alunos
com deficiência nos espaços escolares em três lócus específicos: dois em
Jacobina -BA e um em Campo Formoso BA. Tecemos discussões sobre o Currículo,
Cultura Cigana, Formação Docente e Representações Sociais, a fim de
articularmos produtos ou propostas de intervenção na Educação Básica, ou seja, ações
mais efetivas construídas e concretizadas com as parcerias entre pesquisadoras
e colaboradores.
Um dos grandes desafios a se conquistar é que
após esse período, os colaboradores possam ter autonomia e compromisso
pedagógico e político para dar continuidade às propostas com vistas a ressignificar
as ações educativas para contemplar uma educação numa perspectiva inclusiva,
que valoriza a diversidade.
No
centro das discussões emerge a formação docente
Mesmo diante de uma
estrutura escolar que se baseia na homogeneização, na padronização de instrumentos
avaliativos, em currículos que desconsideram os contextos em que as
instituições estão imersas, temos presenciado uma diversidade que se manifesta
de diferentes maneiras nos espaços educativos formais. Uma vez que,
O mundo contemporâneo se defronta com a emergência
de variados grupos sociais, minoritários e distintos, que colocam um problema
para ser resolvido ou, pelo menos, para ser compreendido: a presença da
diversidade ou pluralidade cultural. O Outro nos mostra cotidianamente — e com
uma proximidade “perturbadora” — que as coisas podem ser diferentes do que
concebemos como certezas. (REZENDE, 2000, p.19)
Desse
modo, é imprescindível que essas novas demandas sociais sejam discutidas e
encaradas como exigências pertinentes no atual contexto educacional, e precisam
ser atendidas de forma a garantir equidade de direitos em meio à diversidade.
Partindo dos escritos da nossa Constituição Federal de 1988 acerca da Educação
enquanto direito de todos e dever do Estado, que visa o pleno desenvolvimento
da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho (Art. 205, CF, 1988).
Compreendemos
que uma educação de qualidade perpassa pelas experiências formativas dos
sujeitos responsáveis por mediar os processos educativos, em especial dos
professores/as. Ao mesmo tempo, salientamos que muitas vezes estes
professores/as se deparam com uma formação em nível de graduação que se
distancia da prática na Educação Básica (MELLO, 2000), e com algumas lacunas
quando se trata de lidar com a diversidade na sala de aula.
Há
dois aspectos inerentes aos cursos de formação de professores/as, o primeiro é
que muitas vezes formam pesquisadores, mas não formam o professor; e segundo
porque nesse falacioso processo da formação de professor não há uma preocupação
em oferecer subsídios para que os mesmos possam lidar com as múltiplas
diversidades presentes nos espaços escolares (MELLO, 2000).
Infere-se, portanto, que só no exercício da
docência podemos construir o sentido real do que é ser professor/a, e nesse
processo temos que optar em manter práticas que buscam a homogeneização ou
buscar estratégias para valorizar a diferença e proporcionar aprendizagens
significativas. Isso perpassa pelo entrelaçamento do ato pedagógico com o ato
político, como nos fala Paulo Freire, pois, a nosso ver, não é meramente uma
questão de inclusão, mas de justiça e equidade social. É na sala de aula, no
cotidiano docente onde este ato político se concretiza.
Partindo dessa perspectiva, compreendemos o
trabalho educativo como responsabilidade de toda a comunidade escolar, mas com
ênfase no professor, que está na ponta do processo dialógico em sala de aula.
Nesta perspectiva:
[...].
Pensamos a formação de professores para a educação básica em uma sociedade desigual,
onde presenciamos diariamente situações que não mais impressionam, nas quais
ficam evidenciadas nossas dificuldades e limites, ao pensarmos e buscarmos
fazer uma educação que supere sobre as diferenças e que traga oportunidades
semelhantes para todos [...]. O professor desenvolve-se continuamente, como
pessoa e como profissional, adquirindo conhecimentos e experiências, produzindo
saberes e construindo identidades. (FONTOURA, 2015, p.77)
Reiteramos
que foi diante dos desafios da sala de aula que percebemos a necessidade de se
buscar outros espaços/tempo de formação docente. As (im)possibilidades se
tornam possíveis quando assumimos o compromisso social e político, vislumbrando
o ato de educar como meio eficaz de contribuir com a justiça social. Se a sala de aula se apresenta como um espaço
marcado pela diversidade, para que este seja considerado como privilegiado, é
necessário que os professores percebam e valorizem a heterogeneidade. Não se
pode pensar numa educação homogênea e padronizada para sujeitos tão diversos.
Partindo desse pressuposto, apontamos a
relevância doo processo de formação, ao tempo em que destacamos que esse
processo acontece durante toda uma caminhada de vivências, começando nos
espaços de escolarização, no qual as experiências tecidas com os/as
professores/as, aluno/as, amigos/as, permite o desencadear da construção do
formar-se. A experiência no ambiente educativo é muito significativa, estando
presente na prática, na construção da identidade e maneira de ver a docência. A
convivência com os nossos pares no decorrer do exercício da docência nos
permite vivenciar experiências que são disparadoras ou provocadoras de
construção de outras vivências, impelindo-nos a ampliar a nossa formação. Assim,
Temos
caminhado no sentido de uma melhor compreensão do ensino como profissão do
humano e do relacional. As dificuldades levantadas pelos “novos alunos” (por
aqueles que não querem aprender, por aqueles que trazem novas realidades
sociais e culturais para dentro da escola) chamam a atenção para a dimensão
humana e relacional do ensino, para esse corpo-a-corpo diário a que os
professores estão obrigados. (NÓVOA, 2009, p.39).
Diante
do exposto, enfatizamos a relevância de ampliarmos as discussões acerca da
formação docente, nos colocando no centro dessa formação. Para isso, adentrar
no Programa de Pós-Graduação em Educação e Diversidade nos oportuniza a
discutir e ampliar nossa formação, ao mesmo tempo em que nos inserimos nos
espaços educativos como professoras que pesquisam a própria prática de maneira
engajada contribuindo no fortalecimento da Educação Básica.
CONCLUSÕES
As trajetórias que experienciamos
enquanto professoras da Educação Básica são atravessadas pelos conceitos de
equidade e alteridade. Na medida em que nos percebemos como os alunos ciganos e
os alunos com deficiência, que muitas vezes figuram no contexto escolar, sendo
excluídos dos processos educativos, sentimos a necessidade de buscar em
processos formativos no exercício da profissão, mecanismos para lidar com as
diferenças na sala de aula, repensando ações educativas com vistas a incluir
estes alunos.
Neste sentido, as ações descritas
neste artigo demonstram a possibilidade de se trabalhar com a diversidade,
considerando as especificidades e potencialidades dos sujeitos, favorecendo o
protagonismo dos estudantes, o diálogo sobre a convivência com o diferente,
além de reforçar a necessidade da formação docente quando se preconiza uma
educação numa perspectiva inclusiva.
O convívio com a diversidade no
espaço escolar representa um grande desafio à prática docente, por isso é
importante que haja profundas reflexões acerca das práticas pedagógicas para
que se possam contemplar as demandas dos grupos divergentes presentes neste
espaço, o que perpassa, essencialmente, pela urgência em se rever o processo de
formação de professores. Vale ressaltar que para que estas mudanças aconteçam,
exige-se do professor/a um compromisso social e político com o ato de educar.
Ratificamos então a importância da
formação no exercício da profissão, articulando-se Educação Básica e
universidade, de modo que tenhamos professores que pesquisam, que se inquietam
em seus contextos e buscam de forma colaborativa contribuir para desconstruir as
aparentes impossibilidades presentes nos discursos daqueles que não querem sair
da sua zona de conforto, em possibilidades de efetivação de um trabalho que
inclui, com a consciência de que as mudanças são processuais, mas que devem
acontecer. Precisamos fugir das miopias que nos limitam às práticas
homogeneizadoras e nos apropriarmos de estratégias/ações que nos possibilitem
enxergar e valorizar as diferenças.
REFERÊNCIAS
ANDRÉ Marli Elisa Dalmazio. LÜDKE,
Menga. Pesquisa em educação: Abordagens qualitativas. Rio de Janeiro:
E.P.U., 2014.
BRASIL. Constituição da República
Federativa do Brasil. Brasília: Imprensa Oficial, 1988.
CRESWELL, Jonh W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativos,
quantitativos e mistos. Tradução Magda Lopes; consultoria, supervisão e
revisão técnica desta edição Dirceu da Silva. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed,
2010.
FONTOURA, Helena Amaral da.
Docência e diversidade na educação básica. IN: RIOS, Jane Adriana Vasconcelos
Pacheco (Org.). Docência na Educação
Básica. Salvador: EDUNEB, 2015,
p.67-100.
GHEDIN, Evandro. FRANCO, Maria
Amélia Santoro. Questões de método na construção da pesquisa em educação.
São Paulo: Cortez, 2011.
MELLO, Guiomar Namo de. Educação escolar brasileira: O que
trouxemos do século XX. Porto Alegre: Artmed, 2004.
MOONEN, Frans. Rom e Calon: os assim chamados ciganos. 1 ed. Recife, 1999.
MOREIRA, Herivelto. CALEFFE, Luiz
Gonzaga. Metodologia da pesquisa: para o
professor pesquisador. – 2ed. – Rio de Janeiro: Lamparina, 2008.
NÓVOA, António. Professores: Imagens do futuro presente.
Educa, Lisboa, 2009.
REZENDE, Dimitri
Fazito de Almeida. Transnacionalismo e
etnicidade: A Construção Simbólica do Romanesthàn (Nação Cigana).
Dissertação do Curso de Mestrado do Departamento de Sociologia e Antropologia.
UFMG, 2000. Disponível em <http://www.antropologia.com.br/divu/colab/d11-dimitri.pdf>
Acesso em: 15 agost. 2016.
SACRISTÁN, José Gimeno. Currículo
e diversidade cultural. In:
SILVA, Tomaz Tadeu da; MOREIRA, Antônio Flávio (Orgs). Territórios contestados:
o currículo e os novos mapas políticos e culturais. 6 ed. Petrópolis, RJ. Vozes,
1995, pp. 82-113.
SILVA, Ana Lúcia Gomes. SÁ, Maria Roseli
Gomes Brito de. Mestrado Profissional:
cenários e singularidades em intervenções na educação. PLURAIS, Salvador,
v.1, n.1, p 59-71, jan./abr. 2016.
Segue o link da publicação nos Anais do Congresso Nacional de Educação- CONEDU - http://www.editorarealize.com.br/revistas/conedu/trabalhos/TRABALHO_EV056_MD1_SA14_ID10774_18082016143233.pdf
[1] O Território Piemonte da Diamantina possui 10
municípios numa área de 11.712,45 Km2. Limita-se com os Territórios Piemonte
Norte do Itapicuru, Sisal, Sertão do São Francisco, Chapada Diamantina,
Piemonte do Paraguaçu e Bacia do Jacuípe. Disponível em <
http://patrimonio.ipac.ba.gov.br/territorio/piemonte-da-diamantina/>.