segunda-feira, 15 de maio de 2017

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS COM ALUNOS CIGANOS E ALUNOS COM DEFICIÊNCIAS.




Compartilho com vocês uma produção colaborativa, fruto de nossas experiências com alunos ciganos e com deficiência na Educação Básica, agora com o olhar mais acadêmico/científico no Mestrado Profissional em Educação e Diversidade -MPED, da Universidade do Estado da Bahia - UNEB/DCH IV -Jacobina-BA.



(IM)POSSIBILIDADES DE CONVIVER COM A DIFERENÇA NA SALA DE AULA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: RELATOS DE EXPERIÊNCIAS COM ALUNOS CIGANOS E ALUNOS COM DEFICIÊNCIA

Laudicéia da Cruz Santos
Rede Pública Estadual de Ensino de Jacobina/BA, Mestranda em Educação e Diversidade – Universidade do Estado da Bahia - laudibotafogo@hotmail.com
Joice Naiane de Sousa Costa Santos
Rede Pública Estadual de Ensino de Campo Formoso/BA, Mestranda em Educação e Diversidade – Universidade do Estado da Bahia - joicensc@hotmail.com
Sabrina de Souza Lima
Rede Pública Estadual de Ensino de Jacobina/BA, Mestranda em Educação e Diversidade – Universidade do Estado da Bahia - sabrinalima4@yahoo.com.br
Vívia Santos Andrade;
Rede Municipal de Ensino de Cansanção – BA, Mestranda em Educação e Diversidade – Universidade do Estado da Bahia – andradepedagogia@yahoo.com.br
Jerônimo Jorge Cavalcante Silva,
Prof. Doutor - Universidade do Estado da Bahia, jorgeazul43@gmail.com

 (Universidade do Estado da Bahia – UNEB/DCH IV, mped.uneb@uneb.br)


Resumo:
O presente artigo pretende fomentar o debate acerca das (im)possibilidades de lidar com a  diversidade na sala de aula. Parte-se da reflexão de experiências vividas com alunos ciganos e alunos com deficiência, em contextos distintos, mas que provocaram inquietações em docentes que atuam na Educação Básica. Trata-se de uma pesquisa qualitativa em educação, na qual se utilizou de observações participantes e anotações em diário de campo para construção dos dados. A partir das experiências vivencias nos espaços educativos, nos impulsiona a refletir acerca do processo concernente à formação docente, nos impulsionando a pensar na formação pelo engajamento na pesquisa em educação, fortalecendo não só a nós professoras, mas aos nossos pares. Compreendemos que experienciamos uma realidade complexa e desafiadora, que exige dos docentes compromisso político, social e pedagógico e isso perpassa, principalmente, pelos processos formativos no exercício da docência.
Palavras-chave: Formação Docente, Diversidade, Ciganos Calon, Alunos com Deficiência.




INTRODUÇÃO

A sociedade contemporânea é caracterizada pela complexidade, pela rapidez de informações, pela efemeridade, mas também pela diversidade cultural, social e política. É possível observarmos, nos mais variados espaços, sujeitos com diferentes histórias, atitudes, crenças, valores e inevitavelmente toda essa heterogeneidade desemboca nos espaços escolares. Sendo assim, reflexões sobre essas configurações são pertinentes para se compreender as relações entre os indivíduos nos diversos ambientes onde convivem.
A sala de aula da Educação Básica na escola pública é um desses espaços de convívio dessa diversidade, marcado por desafios constantes aos processos de ensino e aprendizagem. Enquanto educadoras, nos encontramos diante de uma delicada escolha: ignorar a diversidade manifesta de várias maneiras nos contextos escolares, optando por práticas homogeneizadoras; tratar da diversidade de modo pontual e meramente celebratório, ou mesmo buscar estratégias para valorização da diferença e, como consequência, empoderar os sujeitos.
Partindo dessa perspectiva, num exercício de pensar sobre as relações intrínsecas entre as configurações sociais e a instituição escolar, nos deparamos com alguns questionamentos: a escola, composta por indivíduos oriundos da sociedade que transborda diversidade humana, como lida com esses múltiplos olhares e modos de ser dos sujeitos que integram esses espaços? Como são estabelecidas as relações de convivência entre os sujeitos nos espaços escolares?      
Na tentativa de provocar a reflexão sobre esses questionamentos, ou mesmo formular outros, considerando as experiências construídas como professoras regentes na Educação Básica da Rede Pública (Municipal e Estadual), trazemos nestes escritos dois relatos de experiências que tomam os alunos ciganos e os alunos com deficiência como ponto de partida e instigação para o desenvolvimento de nossas pesquisas no Programa de Pós Graduação em Educação e Diversidade na Universidade do Estado da Bahia – Uneb, Campus IV/Jacobina - BA.
Percebemos que o processo de democratização da Educação Básica pública tem possibilitado o acesso de muitas minorias a este espaço educativo formal, ao tempo em que nos vemos imersas no desafio de garantir a permanência destes alunos/as, zelando pela qualidade do processo ensino/aprendizagem de todos/as.

METODOLOGIA

 Os processos de ação-reflexão, que valorizam as subjetividades e os significados que os sujeitos atribuem aos seus contextos, permitem que situemos este estudo no campo das pesquisas qualitativas, que segundo Bogdan e Biklen (1982) citados por Lüdke e André (2014) apresentam algumas particularidades básicas, dentre as quais podemos destacar: são caracterizadas pelos significados que os colaboradores da pesquisa dão às coisas e à sua vida, pelo processo indutivo como mecanismo de análise dos dados e pela não preocupação com a comprovação de hipóteses previamente definidas.
Através de observações participantes, enquanto professoras que pesquisam sua própria prática, e em momentos de pesquisa/formação no exercício da docência, fomos provocadas a refletir sobre nossas ações pedagógicas na educação escolar, bem como sobre a necessidade de fazer da escola de Educação Básica um lugar de valorização das diferenças, mobilizando outros sujeitos no processo educativo. Partindo dessa perspectiva, compreendemos que a observação participante é uma técnica que possibilita adentrar no mundo social dos participantes, fazendo-se anotações detalhadas em relação aos eventos observados (CALLEFFE; MOREIRA, 2008).
Para registro dessas informações, utilizamos o diário de campo, também chamado de diário de bordo. Este instrumento apresenta-se como uma possibilidade de registro de todas as informações pertinentes ao estudo (em andamento). Todo pesquisador precisa utilizá-lo como instrumento de construção de dados, que, posteriormente serão confrontados com a teoria, para que outras teorias sejam criadas.
Para Ghedin e Franco (2011),

A pesquisa requer o registro rigoroso e metódico dos dados, atividade que precisa ser constantemente realizada. Há autores, entre os quais Lavoie, Marquis e Laurin (1996) e mesmo Morin (1986), que chegam a falar da necessidade de um “diário de bordo” como instrumento necessário para consignar os dados recolhidos durante todo o processo de pesquisa. Importa que seja um registro diário e cotidiano, de sorte que objetive o vivido e o compreendido. ( p. 244)

As anotações e reflexões foram registradas nos momentos de Atividades Complementares (AC) dos docentes, de organização e desenvolvimento de oficinas, palestras, mesas redondas, aulas de campo, apresentação em eventos científicos e em outros espaços/tempo pedagógicos.
Os registros elaborados através dos dispositivos de pesquisa – observação participante e diário de campo – foram explorados, sistematizados e dessas fontes emergirem aspectos relacionados às possibilidades de um trabalho pedagógico numa perspectiva inclusiva para os alunos ciganos e alunos com deficiência.
A partir da análise desses dados preliminares, percebemos a necessidade de buscar outros espaços formativos que articulassem a Educação Básica e a Universidade. Foram estas demandas, oriundas da observação da nossa própria prática nos espaços educativos, que nos impulsionaram a enxergar a Universidade como importante espaço de discussão e produção de conhecimentos, numa relação dialógica e colaborativa.
Como estamos apresentando uma discussão/reflexão acerca de dois relatos de experiências vividos na docência da Educação Básica, apontaremos ao longo da nossa escrita o resultado desse movimento que nos possibilitou a construção um esboço dessas experiências.

A itinerância chega até a nós: a experiência vivida com discentes ciganos no Centro Estadual de Educação Profissional em Gestão e Negócios do Centro Baiano.

A experiência vivenciada por nós, professoras da Educação Básica aconteceu no Município de Jacobina-BA, localizada no Território de Identidade do Piemonte da Chapada Diamantina, no período de (2012-2015). Essa experiência nos impeliu a caminhar por inúmeros outros espaços ultrapassando os limites dos muros da escola na qual estávamos inseridas. Para entender um pouco dessa história, discorremos rapidamente a trajetória história dos povos ciganos.
Fundamentalmente, ao se tratar dos povos ciganos temos que ter clareza que, como preconiza Sacristán (1995, p.95) “[...] os ciganos não estão apenas marginalizados, mas, além disso, recebem sinais evidentes de rejeição e têm sido, até mesmo, perseguidos”. Assim sendo, como a escola tem lidado com a inserção de alunos/as ciganos/as? Há (im) possibilidades de trabalhar com crianças e jovens ciganos nos espaços escolares? Diante do nosso exercício na docência em Educação Básica, afirmamos que é possível fazer diferente, para além da celebração ou exotismo cultural, pudemos realizar um trabalho mais efetivo que possibilitou um maior contato entre crianças e jovens ciganos e não-ciganos e que contribuiu para a redução dos falsos estereótipos que perduram nos espaços de educação formal e na sociedade de Jacobina-Ba e região.
Cabe aqui explicitar que a origem dos povos ciganos é marcada por incertezas, pois sendo ágrafos, não possuem registros escritos. Dessa maneira, as histórias desses povos se mantêm pela oralidade, o que dificulta assegurar suas trajetórias históricas. No entanto, é consenso entre os estudiosos que os ciganos surgiram no norte da Índia, século III a.C. A partir do século X começam ciclos migratórios e, na Europa Ocidental, eles surgem no século XV. Os povos ciganos compõem três grandes grupos: Os Rom ou Roma, provenientes dos países balcânicos, que migraram para o Brasil em meados do século XIX; os Sinti da Alemanha, Itália e França; os Calon, oriundos da Península Ibérica, deportados para o Brasil pela Coroa Portuguesa no século XVI (MOONEN, 1999). Ao chegarem ao Brasil já traziam consigo a marca da discriminação, do preconceito, que persistem em nossa sociedade até os dias atuais. 
Destacamos que nossa experiência foi com os alunos ciganos da etnia Calon, predominante no Território do Piemonte da Chapada Diamantina[1], este contato aconteceu no Colégio Estadual Professora Felicidade de Jesus Magalhães, atualmente Centro Estadual de Educação Profissional em Gestão e Negócios do Centro Baiano Professora Felicidade de Jesus Magalhães – CEEP Felicidade, a partir de 2010. Coincidentemente na mesma época foi ofertado o curso Direitos Humanos e Diversidade, uma parceria do Instituto Anísio Teixeira –IAT e Secretaria de Educação da Bahia –SEC/Ba, o que nos possibilitou projetar ações para intervir na problemática da presença cigana em nossa unidade escolar. Tal intervenção foi concretizada com o projeto “Ciganos: sujeitos de direitos”, que com oficinas e mesas-redondas contemplou alunos ciganos, não ciganos, professores interessados e representantes da comunidade cigana, nessa primeira etapa, no entanto, não havia o envolvimento dos alunos como pesquisadores.
Somente a partir de 2012, com a possibilidade de trabalhar com a pesquisa científica na Educação Básica, redimensionamos e ampliamos o projeto agregando alunos não-ciganos e ciganos, como pesquisadores, com intuito de desenvolver o protagonismo dos estudantes como construtores de seu conhecimento e, em especial, a importante contribuição que teríamos para redução dos estereótipos em outra unidade de ensino público que também recebia alunos ciganos. Dessa forma, ministramos oficinas para os estudantes do Ensino Fundamental II.
Tais ações acima elencadas se desdobraram no projeto intitulado “Caravana Calon: a inserção da cultura cigana nos espaços escolares de Jacobina-Ba e região”, desenvolvido com nossos alunos da Educação Profissional Integrada ao Ensino Médio – EPI, voltado para outras escolas públicas e privadas. Nesta segunda etapa os estudantes fizeram estudos bibliográficos e de campo com a comunidade cigana, como suporte para melhor definição das ações para sete escolas de Jacobina e região. Nos referidos espaços, através de oficinas para a comunidade interessada de cada unidade de ensino, abordávamos a historicidade, trajetórias das diferentes etnias, processos de perseguição, crenças, valores e tradições na perspectiva de colaborar para uma visão mais positiva e menos estereotipada sobre os povos ciganos.
A relevância de tais ações possibilitou que orientadoras e alunos pesquisadores participassem de inúmeros eventos científicos na Bahia, Brasil e no exterior para apresentar os resultados dos projetos e, essencialmente, para dar visibilidade aos povos ciganos – em específico dos ciganos da Etnia Calon de Jacobina-Bahia. Dessa forma, os alunos tiveram a oportunidade de apresentar trabalhos em Jacobina-Ba (Feira de Ciências e Tecnologias do CEEP Felicidade –FECCEEP), em Salvador (Feira de Ciências da Bahia -FECIBA), Ceará (EXPO Milset Brasil), São Paulo (Feira Brasileira de Ciências e Engenharia - FEBRACE), Novo Hamburgo (Mostra Brasileira/Internacional de Ciência e Tecnologia -MOSTRATEC), em Encarnácion -Paraguai (VIII Feira de Ciências e Tecnologia, II Feira Nacional e I Feira Internacional – FECITEC GIRASOLES). Houve outras aprovações, porém por limitação financeira não conseguimos nos fazer presentes.
Sobretudo, o mais importante em todo esse processo foi perceber a possibilidade de trabalhar com as especificidades da cultura cigana nos espaços escolares, obviamente sem a rigorosidade científica tão exigida pelas universidades, mas dentro dos limites da Educação Básica da rede pública, este trabalho teve o mérito de abrir novos horizontes para os alunos pesquisadores, para fortalecimento cultural dos alunos ciganos, para o diálogo desses com os não-ciganos e para maior visibilidade e mais respeito pelos ciganos da Etnia Calon.
Sendo assim, entendemos que ciganos, negros, mulheres, indígenas, povos circenses, pessoas com deficiência e tantas outras minorias têm provocado a instituição escolar a se mobilizar em busca de outras pedagogias, pois é quase impossível pensar uma educação para todos sem levar em consideração tantas peculiaridades que marcam os povos de nosso país.

Na terra das esmeraldas, eis que brilha a trajetória de uma professora

Diante dos desafios e conquistas descritas anteriormente, relatamos aqui as experiências com alunos com deficiência que têm nos conduzido a buscar outros saberes, outros parceiros para colaborar com uma escola que se pauta numa perspectiva inclusiva.
Assim como os alunos ciganos que, como relatado anteriormente, são marginalizados do processo educativo, muitos alunos com deficiência também o são. Imagine-se numa sala com 40 alunos, onde 38 são ouvintes e dois deles são surdos, o/a professor/a não conhece a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, não tem a ajuda de um intérprete, a escola não possui Atendimento Educacional Especializado - AEE, contudo deve ser assegurado a todos/as os/as alunos/as, sem distinções, uma educação de/com qualidade. Realidade desafiadora e comum em muitas escolas, algo que nos incomoda e provoca para necessidade de alcançar estes sujeitos, considerando suas limitações e suas potencialidades.
Partindo dessa realidade, pensamos numa perspectiva de formação no exercício da docência como uma alternativa para melhor lidarmos com estes estudantes, uma possibilidade para além da política pública de formação docente. Numa escola pública estadual em Campo Formoso-Bahia, cidade localizada no Centro Norte do Estado, no Território Norte do Itapicuru, partindo-se de uma iniciativa individual de um professor do quadro efetivo da Instituição, mas que mobilizou outros docentes da instituição e da Rede Pública Municipal para necessidade de um processo formativo que possibilitasse novos olhares para esses alunos. Desse modo, organizamos, no formato de uma cooperativa, um curso de especialização em Educação Especial e Inclusiva, com carga horária de 400h, com aulas presenciais aos finais de semana.
            As discussões e todo trabalho intelectual produzido durante dois anos contribuíram significativamente para o nosso trabalho enquanto docente na Educação Básica. As leituras realizadas, os saberes e experiências compartilhadas fizeram-nos perceber que inclusão se aprende fazendo. Cada tipo de deficiência exige do professor fazeres diferenciados, estratégias específicas, adaptação de recursos materiais distintos, enfim, os frutos dessa formação são na verdade as perspectivas de se lançar um olhar atento para estes estudantes, pensá-los como sujeitos de direitos, que aprendem e ensinam, que devem ter garantida uma educação pública com qualidade.
Os estudos finais desse curso foram organizados em artigos científicos com diferentes temáticas, dentre as quais podemos citar: currículo e inclusão escolar, concepções dos alunos sobre o processo de inclusão escolar, alunos com deficiência na Educação de Jovens e Adultos, questões étnico raciais no currículo e na prática pedagógica, enfim tivemos um total de 12 (doze) produções concluídas que dispararam as discussões acerca da Educação Especial e Inclusiva em Campo Formoso - BA. Atualmente, este curso está em sua segunda turma, com um total de mais 8 (oito) artigos em construção, contribuindo assim para alavancar os debates e efetivação do processo que chamamos de inclusão escolar.
Não podemos deixar de destacar que o mesmo tem alcançado profissionais de 4 (quatro) Territórios baianos distintos, a saber: Piemonte Norte do Itapicuru (Campo Formoso, Senhor do Bonfim e Pindobaçu), Território do Sertão do São Francisco (Juazeiro), Território do Sisal (Monte Santo), Território do Nordeste II (Euclides da Cunha). Atualmente o curso está vinculado à uma Faculdade na cidade de Campo Formoso, mantendo sua proposta de aulas cem por cento presenciais.


Os entrelaces das experiências

Apresentamos realidades e públicos distintos, mas que convergem em um propósito maior de garantir no meio acadêmico espaços de discussão sobre minorias historicamente excluídas. Para dar continuidade à caminhada rumo à inclusão escolar do aluno com deficiência e dos alunos ciganos, ingressamos no Mestrado Profissional em Educação e Diversidade da Universidade do Estado da Bahia (CAMPUS IV). A proposta de um Mestrado Profissional em Educação e Diversidade apresenta-se como uma oportunidade ímpar de se discutir nos meios acadêmicos a educação de minorias, que por outro olhar representam a maioria em nosso país. As variadas temáticas discutidas pelos colegas de turma, nos motivam a inquietarmo-nos sempre com o processo de aprendizagem de alunos/as inseridos/as na Educação Básica, são estas inquietações que nos movem pessoal e profissionalmente a trilhar outros percursos. É pertinente ressaltar que,

Os referidos programas objetivam consolidar a convergência de suas trajetórias acadêmicas e profissionais em torno do campo da formação de professores da Educação Básica [...] representa uma tentativa de subsidiar práticas escolares pautadas na valorização das diferenças, do múltiplo, do inovador e do anverso. A área prioriza o estudo da diversidade, visando fortalecer as bases teóricas dos educadores, aprimorar a atuação formativa e propiciar a inovação pedagógica e a formação continuada. (SILVA; SÁ, 2016, p.65)

As mencionadas experiências nos permitiram lançar, agora, um olhar mais investigativo pautado numa rigorosidade científica para a pesquisa em Educação. Temos a possibilidade de realizar nossas pesquisas voltadas para inclusão da cultura cigana e dos alunos com deficiência nos espaços escolares em três lócus específicos: dois em Jacobina -BA e um em Campo Formoso BA. Tecemos discussões sobre o Currículo, Cultura Cigana, Formação Docente e Representações Sociais, a fim de articularmos produtos ou propostas de intervenção na Educação Básica, ou seja, ações mais efetivas construídas e concretizadas com as parcerias entre pesquisadoras e colaboradores.
 Um dos grandes desafios a se conquistar é que após esse período, os colaboradores possam ter autonomia e compromisso pedagógico e político para dar continuidade às propostas com vistas a ressignificar as ações educativas para contemplar uma educação numa perspectiva inclusiva, que valoriza a diversidade.


No centro das discussões emerge a formação docente

Mesmo diante de uma estrutura escolar que se baseia na homogeneização, na padronização de instrumentos avaliativos, em currículos que desconsideram os contextos em que as instituições estão imersas, temos presenciado uma diversidade que se manifesta de diferentes maneiras nos espaços educativos formais. Uma vez que,

O mundo contemporâneo se defronta com a emergência de variados grupos sociais, minoritários e distintos, que colocam um problema para ser resolvido ou, pelo menos, para ser compreendido: a presença da diversidade ou pluralidade cultural. O Outro nos mostra cotidianamente — e com uma proximidade “perturbadora” — que as coisas podem ser diferentes do que concebemos como certezas. (REZENDE, 2000, p.19)

Desse modo, é imprescindível que essas novas demandas sociais sejam discutidas e encaradas como exigências pertinentes no atual contexto educacional, e precisam ser atendidas de forma a garantir equidade de direitos em meio à diversidade. Partindo dos escritos da nossa Constituição Federal de 1988 acerca da Educação enquanto direito de todos e dever do Estado, que visa o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (Art. 205, CF, 1988).
 Compreendemos que uma educação de qualidade perpassa pelas experiências formativas dos sujeitos responsáveis por mediar os processos educativos, em especial dos professores/as. Ao mesmo tempo, salientamos que muitas vezes estes professores/as se deparam com uma formação em nível de graduação que se distancia da prática na Educação Básica (MELLO, 2000), e com algumas lacunas quando se trata de lidar com a diversidade na sala de aula.
Há dois aspectos inerentes aos cursos de formação de professores/as, o primeiro é que muitas vezes formam pesquisadores, mas não formam o professor; e segundo porque nesse falacioso processo da formação de professor não há uma preocupação em oferecer subsídios para que os mesmos possam lidar com as múltiplas diversidades presentes nos espaços escolares (MELLO, 2000).
Infere-se, portanto, que só no exercício da docência podemos construir o sentido real do que é ser professor/a, e nesse processo temos que optar em manter práticas que buscam a homogeneização ou buscar estratégias para valorizar a diferença e proporcionar aprendizagens significativas. Isso perpassa pelo entrelaçamento do ato pedagógico com o ato político, como nos fala Paulo Freire, pois, a nosso ver, não é meramente uma questão de inclusão, mas de justiça e equidade social. É na sala de aula, no cotidiano docente onde este ato político se concretiza.
 Partindo dessa perspectiva, compreendemos o trabalho educativo como responsabilidade de toda a comunidade escolar, mas com ênfase no professor, que está na ponta do processo dialógico em sala de aula. Nesta perspectiva:

[...]. Pensamos a formação de professores para a educação básica em uma sociedade desigual, onde presenciamos diariamente situações que não mais impressionam, nas quais ficam evidenciadas nossas dificuldades e limites, ao pensarmos e buscarmos fazer uma educação que supere sobre as diferenças e que traga oportunidades semelhantes para todos [...]. O professor desenvolve-se continuamente, como pessoa e como profissional, adquirindo conhecimentos e experiências, produzindo saberes e construindo identidades. (FONTOURA, 2015, p.77)

Reiteramos que foi diante dos desafios da sala de aula que percebemos a necessidade de se buscar outros espaços/tempo de formação docente. As (im)possibilidades se tornam possíveis quando assumimos o compromisso social e político, vislumbrando o ato de educar como meio eficaz de contribuir com a justiça social.  Se a sala de aula se apresenta como um espaço marcado pela diversidade, para que este seja considerado como privilegiado, é necessário que os professores percebam e valorizem a heterogeneidade. Não se pode pensar numa educação homogênea e padronizada para sujeitos tão diversos.
Partindo desse pressuposto, apontamos a relevância doo processo de formação, ao tempo em que destacamos que esse processo acontece durante toda uma caminhada de vivências, começando nos espaços de escolarização, no qual as experiências tecidas com os/as professores/as, aluno/as, amigos/as, permite o desencadear da construção do formar-se. A experiência no ambiente educativo é muito significativa, estando presente na prática, na construção da identidade e maneira de ver a docência. A convivência com os nossos pares no decorrer do exercício da docência nos permite vivenciar experiências que são disparadoras ou provocadoras de construção de outras vivências, impelindo-nos a ampliar a nossa formação. Assim,
Temos caminhado no sentido de uma melhor compreensão do ensino como profissão do humano e do relacional. As dificuldades levantadas pelos “novos alunos” (por aqueles que não querem aprender, por aqueles que trazem novas realidades sociais e culturais para dentro da escola) chamam a atenção para a dimensão humana e relacional do ensino, para esse corpo-a-corpo diário a que os professores estão obrigados. (NÓVOA, 2009, p.39).
            Diante do exposto, enfatizamos a relevância de ampliarmos as discussões acerca da formação docente, nos colocando no centro dessa formação. Para isso, adentrar no Programa de Pós-Graduação em Educação e Diversidade nos oportuniza a discutir e ampliar nossa formação, ao mesmo tempo em que nos inserimos nos espaços educativos como professoras que pesquisam a própria prática de maneira engajada contribuindo no fortalecimento da Educação Básica.

CONCLUSÕES
           
            As trajetórias que experienciamos enquanto professoras da Educação Básica são atravessadas pelos conceitos de equidade e alteridade. Na medida em que nos percebemos como os alunos ciganos e os alunos com deficiência, que muitas vezes figuram no contexto escolar, sendo excluídos dos processos educativos, sentimos a necessidade de buscar em processos formativos no exercício da profissão, mecanismos para lidar com as diferenças na sala de aula, repensando ações educativas com vistas a incluir estes alunos.
            Neste sentido, as ações descritas neste artigo demonstram a possibilidade de se trabalhar com a diversidade, considerando as especificidades e potencialidades dos sujeitos, favorecendo o protagonismo dos estudantes, o diálogo sobre a convivência com o diferente, além de reforçar a necessidade da formação docente quando se preconiza uma educação numa perspectiva inclusiva.
            O convívio com a diversidade no espaço escolar representa um grande desafio à prática docente, por isso é importante que haja profundas reflexões acerca das práticas pedagógicas para que se possam contemplar as demandas dos grupos divergentes presentes neste espaço, o que perpassa, essencialmente, pela urgência em se rever o processo de formação de professores. Vale ressaltar que para que estas mudanças aconteçam, exige-se do professor/a um compromisso social e político com o ato de educar.
            Ratificamos então a importância da formação no exercício da profissão, articulando-se Educação Básica e universidade, de modo que tenhamos professores que pesquisam, que se inquietam em seus contextos e buscam de forma colaborativa contribuir para desconstruir as aparentes impossibilidades presentes nos discursos daqueles que não querem sair da sua zona de conforto, em possibilidades de efetivação de um trabalho que inclui, com a consciência de que as mudanças são processuais, mas que devem acontecer. Precisamos fugir das miopias que nos limitam às práticas homogeneizadoras e nos apropriarmos de estratégias/ações que nos possibilitem enxergar e valorizar as diferenças.


REFERÊNCIAS
ANDRÉ Marli Elisa Dalmazio. LÜDKE, Menga.  Pesquisa em educação: Abordagens qualitativas. Rio de Janeiro: E.P.U., 2014.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Imprensa Oficial, 1988.
CRESWELL, Jonh W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativos, quantitativos e mistos. Tradução Magda Lopes; consultoria, supervisão e revisão técnica desta edição Dirceu da Silva. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.
FONTOURA, Helena Amaral da. Docência e diversidade na educação básica. IN: RIOS, Jane Adriana Vasconcelos Pacheco (Org.). Docência na Educação Básica. Salvador: EDUNEB, 2015, p.67-100.
GHEDIN, Evandro. FRANCO, Maria Amélia Santoro. Questões de método na construção da pesquisa em educação. São Paulo: Cortez, 2011.
MELLO, Guiomar Namo de. Educação escolar brasileira: O que trouxemos do século XX. Porto Alegre: Artmed, 2004.
MOONEN, Frans. Rom e Calon: os assim chamados ciganos. 1 ed. Recife, 1999.
MOREIRA, Herivelto. CALEFFE, Luiz Gonzaga. Metodologia da pesquisa: para o professor pesquisador. – 2ed. – Rio de Janeiro: Lamparina, 2008.
NÓVOA, António. Professores: Imagens do futuro presente. Educa, Lisboa, 2009.
REZENDE, Dimitri Fazito de Almeida. Transnacionalismo e etnicidade: A Construção Simbólica do Romanesthàn (Nação Cigana). Dissertação do Curso de Mestrado do Departamento de Sociologia e Antropologia. UFMG, 2000. Disponível em <http://www.antropologia.com.br/divu/colab/d11-dimitri.pdf> Acesso em: 15 agost. 2016.
SACRISTÁN, José Gimeno. Currículo e diversidade cultural. In: SILVA, Tomaz Tadeu da; MOREIRA, Antônio Flávio (Orgs). Territórios contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. 6 ed. Petrópolis, RJ. Vozes, 1995, pp. 82-113.
SILVA, Ana Lúcia Gomes. SÁ, Maria Roseli Gomes Brito de. Mestrado Profissional: cenários e singularidades em intervenções na educação. PLURAIS, Salvador, v.1, n.1, p 59-71, jan./abr. 2016.

Segue o link da publicação nos Anais do Congresso Nacional de Educação- CONEDU - http://www.editorarealize.com.br/revistas/conedu/trabalhos/TRABALHO_EV056_MD1_SA14_ID10774_18082016143233.pdf



[1] O Território Piemonte da Diamantina possui 10 municípios numa área de 11.712,45 Km2. Limita-se com os Territórios Piemonte Norte do Itapicuru, Sisal, Sertão do São Francisco, Chapada Diamantina, Piemonte do Paraguaçu e Bacia do Jacuípe. Disponível em < http://patrimonio.ipac.ba.gov.br/territorio/piemonte-da-diamantina/>.